Racismo ambiental é um processo de injustiça estrutural que faz com que populações negras, indígenas e periféricas sejam desproporcionalmente impactadas pela degradação ambiental, pela ausência de políticas públicas e pelos efeitos das mudanças climáticas, sem voz nas decisões que afetam seus territórios e modos de vida.
Segundo a ONU, é a injustiça estrutural que leva comunidades racializadas a viverem sob maior risco ambiental, com menor proteção e acesso a direitos e serviços adequados.
Negros estão entre os que mais sofrem com problemas ambientais
Em outras palavras, são as pessoas negras, indígenas e periféricas as que mais sofrem com impactos ambientais, mesmo sem estarem na origem desses problemas ,e costumam ser as últimas a terem suas necessidades reconhecidas.
Trata-se de uma forma marcante de desigualdade, na qual o lugar onde você mora, a cor da sua pele e a sua classe social determinam se você terá acesso à água tratada, rede de esgoto, moradia digna e segura, e a outros serviços básicos.
Um dos fundadores do conceito, Robert Bullard (EUA), define racismo ambiental como as políticas, práticas e direcionamentos que afetam de forma negativa pessoas, grupos ou comunidades com base em raça ou cor.
No Brasil, o conceito ganha contornos específicos ao evidenciar como um modelo de urbanização excludente afeta, de forma desproporcional, populações negras, periféricas, tradicionais e indígenas.
Na prática, funciona assim:
1. Falta de saneamento nas periferias
Em muitas dessas comunidades não há rede de esgoto, coleta de lixo ou drenagem urbana. Quando chove forte, as ruas alagam, o esgoto retorna para dentro das casas e aumentam os casos de doenças como leptospirose, hepatite A e dengue.
Enquanto isso, bairros nobres contam com infraestrutura completa e proteção contra enchentes. Isso é racismo ambiental, porque o direito ao saneamento básico é negado de forma estrutural a populações racializadas e empobrecidas.
2. Aterros sanitários e indústrias poluentes próximos a comunidades pobres
É comum que lixões, aterros ou empreendimentos com alto potencial poluidor sejam instalados perto de bairros de baixa renda, majoritariamente habitados por pessoas negras. Essas comunidades convivem diariamente com ar poluído, ratos, insetos, mau cheiro e doenças respiratórias — e, muitas vezes, não foram sequer consultadas sobre a instalação desses empreendimentos. É uma exposição forçada à degradação ambiental que não seria aceita em bairros de classe média e alta.
3. Iluminação pública precária nas periferias
Em muitas áreas periféricas, a iluminação pública é insuficiente ou inexistente. Ruas sem iluminação aumentam os riscos de violência e afetam especialmente mulheres negras, que enfrentam longos deslocamentos em condições de insegurança. A negligência aos espaços racializados também é racismo ambiental.
4. Transporte público ineficiente nas periferias
Essas comunidades costumam ficar longe dos centros urbanos e dos polos de trabalho. O transporte público que chega até esses territórios é menos frequente, com horários limitados, mais precário, com veículos sucateados e trajetos longos. O tempo exaustivo nos deslocamentos, os riscos diários e a exclusão dos grandes projetos de mobilidade urbana revelam uma geografia urbana marcada pelo racismo ambiental.
Relação entre racismo ambiental e saneamento na realidade brasileira
No Brasil, 35 milhões de pessoas vivem sem acesso à água tratada e 100 milhões sem coleta de esgoto (SNIS/2023). A população negra tem 60% mais chance de viver em áreas com acesso inadequado a serviços urbanos (IPEA, 2021).
A distribuição dos serviços de saneamento básico no Brasil revela um padrão claro de desigualdade que atinge grupos específicos de forma desproporcional. Comunidades periféricas, compostas majoritariamente pela população negra, ainda enfrentam uma sistemática falta de acesso à infraestrutura básica, como o abastecimento regular de água potável, coleta e tratamento de esgoto, drenagem urbana adequada e manejo de resíduos sólidos.
Essa privação não é casual, mas resultado de décadas de planejamento urbano que priorizou áreas centrais e bairros de maior renda, relegando as periferias à invisibilidade nas políticas públicas. A exclusão dessas comunidades do mapa da infraestrutura não é apenas um reflexo da desigualdade social — ela é também um dos principais mecanismos que a perpetuam.
Os desafios da falta de saneamento
A ausência de saneamento básico prejudica a saúde pública; afeta o rendimento escolar de crianças; desvaloriza os imóveis e a região como um todo; e sobrecarrega, em especial, as mulheres, que assumem o cuidado com os doentes, a busca por água, a limpeza do lar e a gestão do pouco recurso disponível.
Em paralelo, essa realidade limita o desenvolvimento econômico local, desestimula o empreendedorismo e amplia o isolamento territorial, digital e social. Dessa forma, a precariedade no acesso a serviços de saneamento não apenas escancara desigualdades históricas — ela se transforma em um marcador concreto de vulnerabilidade social.
Vetor de transformação
No entanto, esse mesmo saneamento pode e deve ser um vetor de transformação, quando concebido com responsabilidade e inclusão. Para isso, é necessário ampliar a visão tradicional, integrando dimensões sociais e territoriais ao planejamento técnico. É preciso enxergá-lo como um instrumento de renovação territorial e promoção da equidade.
Empresas, governos e demais agentes do setor têm a responsabilidade de construir uma agenda inclusiva, que priorize o atendimento de populações vulnerabilizadas, promova a participação ativa das comunidades — especialmente de jovens e mulheres negras — e incorpore tecnologias adaptadas às realidades locais.
Também é fundamental estabelecer indicadores sociais e raciais de impacto, que permitam monitorar o progresso de forma integrada à justiça social e ambiental.
O que a Aegea está fazendo para mudar esse cenário?
Sabendo dessa realidade, a Aegea trabalha para garantir o acesso ao saneamento básico em áreas onde esses serviços são escassos ou inexistentes, utilizando tecnologias – tanto operacionais quanto sociais – para melhorar a eficiência e fazer com que eles cheguem mais rápido a quem mais precisa.
Exemplo disso, como parte desse compromisso com a inclusão e a acessibilidade, a empresa oferece descontos na tarifa de água e esgoto para famílias de baixa renda por meio da Tarifa Social. Em Manaus (AM), também é oferecida a Tarifa 10, em que populações em situação de vulnerabilidade têm direito à cobrança unificada de R$ 10 nas contas de água e de esgoto.
Indo além dos contratos, a empresa promove, por meio do Instituto Aegea, ações para atender às necessidades específicas das populações e apoiar o desenvolvimento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios atendidos, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e da proteção do meio ambiente nos territórios em que atuamos, em alinhamento aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
Na esfera interna, o Programa Respeito Dá o Tom tem ampliado a presença de mulheres e pessoas negras em cargos de liderança, promovendo diversidade e inclusão. A presença em cargos de liderança aumentou de 32% para 36% para as mulheres e de 17% para 22% para pessoas negras.
O futuro do saneamento inclusivo
Presente em mais de 33 milhões de vidas, a Aegea assume o compromisso de não deixar ninguém para trás. Isso exige um novo olhar técnico e social, que repense a engenharia clássica com base em inclusão e equidade.
“Conectar a próxima casa, sem deixar ninguém para trás” é um dos lemas centrais da Companhia. Isso significa garantir acesso digno a todas as pessoas, independentemente de cor, território ou condição socioeconômica.
Equidade no saneamento
A equidade no saneamento não pode ser vista como um ideal distante. Precisa ser um compromisso real, prático e urgente. E, para isso, é preciso reconhecer que justiça social e ambiental caminham juntas.
Na Aegea, entendemos que nosso trabalho é social, ambiental e interseccional. O Respeito Dá o Tom é um eixo estratégico que fortalece o protagonismo das comunidades e orienta nossa atuação inclusiva.
Por tudo isso, reafirmamos nosso compromisso de trabalharmos para que o acesso ao saneamento não continue a ser determinado pela cor da pele, pelo CEP ou pelo nível de renda. Temos cumprido nossa responsabilidade de usar nossa estrutura, tecnologia e presença nacional para interromper ciclos históricos de exclusão e construir, junto aos territórios, soluções duradouras e efetivas.
Saneamento é saúde, dignidade e permanência no território. É a base para educação, trabalho, mobilidade e justiça. E se o futuro que queremos é mais justo, mais resiliente e mais igualitário, escutamos todas as vozes e todos os direitos. Esse é o nosso papel como Instituto Aegea. Esse é o legado que queremos deixar para o futuro.
*Mais sobre as autoras
Keilla Martins é coordenadora corporativa do Programa Respeito Dá o Tom, Maira Sugawara é coordenadora de Qualidade Ambiental do Instituto Aegea e Rafaela Pádua Vilela é analista de Sustentabilidade do Instituto Aegea.