Eduardo Gama da Paixão olha, ainda incrédulo, a chegada de caminhões e máquinas operadas por homens que, em poucos minutos, abrem o solo.
É ali, no bairro Cosme e Damião, em Japeri, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que tem início as obras de implantação do sistema de esgotamento sanitário em duas cidades vizinhas, Japeri e Queimados, na Baixada Fluminense.
Por décadas, ele e os moradores da região despejam o esgoto em redes construídas pelas próprias mãos que, por sua vez, misturam-se às águas pluviais para seguir sem tratamento até os córregos próximos, hoje transformados em valões.
Redes vão conectar casas e sonhos
O saneamento, essa palavra que por tanto tempo foi apenas um eco distante, agora ganha forma com tubulações que vão conectar casas e sonhos.
“Moro aqui há 50 anos e o esgoto da minha casa, quando dou descarga, vai para a rua. Algumas casas têm rede porque o próprio dono construiu, mas a tubulação termina no valão. Nem acredito que vai ter rede na rua agora”, diz entusiasmado Eduardo Gama.
Com investimento de R$ 640 milhões, a Águas do Rio vai instalar cerca de 700 km de redes e construir mais de 60 estações elevatórias, responsáveis por bombear o esgoto até a estação de tratamento, que também será construída e terá capacidade para tratar 600 litros por segundo.
Infectologista aponta riscos de doenças provocadas pelo esgoto sem tratamento
O infectologista André Siqueira, pesquisador do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), explica que a falta de saneamento básico está relacionada ao risco de diversas doenças infecciosas e a problemas agudos como distúrbios circulatórios e metabólicos.
“O contato com o esgoto pode gerar imunodeficiência fazendo com que a pessoa tenha maior propensão a infecções respiratórias como a pneumonia. Crianças e idosos que vivem em áreas vulneráveis têm mais chance de contaminação”, afirma.
Podem apresentar diarreia, gastroenterite e parasitose intestinais. “Tudo isso pode levar à desnutrição, o que em crianças de até cinco anos pode implicar em déficit de crescimento e aprendizado”, comenta o médico da Fiocruz.
Prevenção e tratamento
Siqueira acrescenta que existem doenças causadas pela falta de saneamento que as pessoas não fazem relação direta com esse problema.
“O esgoto a céu aberto serve de criadouro de mosquitos, que vão transmitir dengue, chicungunha, entre outras doenças, e atrai roedores que transmitem a leptospirose”, diz.
Para o infectologista são os processos de urbanização e de saneamento adequados que vão mudar essa realidade, tanto na prevenção quanto no tratamento.
Coração se enche de esperança
Larissa Pimenta, moradora de Japeri, sabe bem o que é viver em um ambiente insalubre.
“Todo o esgoto da vizinhança fica bem aqui atrás. Sempre que chove forte, entra na minha casa. A gente já se acostumou com o mau cheiro, mas se chega visita, ficamos com vergonha. Tem muitos ratos e mosquitos. Meu filho, de 10 anos, já pegou bicho de pé. O tratamento ficou caro e gastamos dinheiro sem ter. Vendo essa obra, nosso coração se enche de esperança”, contou a dona de casa.
Acesso aos serviços implica em mobilidade social
“A falta de saneamento afeta o desenvolvimento intelectual e neurológico das crianças, o que implica na melhor capacidade de aprendizagem. Quem tem acesso à água tratada e ao esgotamento sanitário, tem uma escolaridade média de 12 anos. Quem não tem, fica pelo menos dois anos a menos estudando. Isso reflete, por exemplo, na nota do Enem e na possibilidade de ingressar numa boa faculdade”, diz Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil.
“Essa formação vai impactar na renda média dessa criança que se torna adulta. Levantamentos mostram que quem tem acesso a esses serviços básicos ganha em média R$ 3.500 e quem não tem recebe cerca de 40% menos. Então, quando falamos de saneamento básico estamos falando das condições essenciais para que a população possa ter mobilidade social. Investir na infraestrutura de água e de esgoto é pensar no futuro da geração atual”, comenta Luana.
Manancial abastece cerca de nove milhões de pessoas
A primeira fase da implantação do sistema de esgoto será concluída ainda esse ano com a entrada em funcionamento da ETE Queimados, que terá capacidade para tratar o efluente coletado pelas redes que já estiverem prontas.
Quando a estação estiver em pleno funcionamento, em 2026, mais de 50 milhões de litros de esgoto in natura não terão mais como destino o Rio Guandu, de onde é captada a água para tratamento e que abastece em torno de nove milhões de pessoas da Região Metropolitana do Rio.
Na capital, esse sistema fornece água para 151 dos 178 bairros da cidade.
Patricia e Vitor: expectativa de voltarem a viver da pesca
É lá, pertinho da estação de captação, na localidade conhecida como Pantanal Iguaçuano, que Patrícia Amorim, de 42 anos, e seu marido, Vitor Amborsiani, 40, tiravam das águas do Guandu o sustento.
Ela é a terceira geração de uma família de pescadores e nos áureos tempos chegou a vender uma tonelada de peixes. A notícia dos investimentos que vão contribuir para a melhoria ambiental na região foi recebida com entusiasmo pelo casal.
Rio é sinônimo de vida
“Guandu é sinônimo de vida, de potencial econômico. Milhares de pessoas vivem direta ou indiretamente dessas águas. Meu avô e meu pai foram pescadores e meu marido também se apaixonou por essa profissão. Com a poluição os peixes se tornaram cada vez mais raros, inviabilizando o trabalho de dezenas de famílias. Meu marido começou a trabalhar como servente de obras e nossa renda foi reduzida em mais de 80%. Meu sonho é ver o Guandu despoluído para vivermos da pesca novamente e ver a vida retornar no meu Pantanal Iguaçuano”, conta Patrícia.