A filantropia negra emerge como uma força transformadora em um país marcado por profundas desigualdades. As práticas solidárias entre pessoas negras, nascidas das injustiças da escravidão, ainda prosperam nas comunidades negras e permanecem como um dos mais importantes e, muitas vezes, subvalorizados patrimônios culturais.
Tal movimento não se resume apenas à doação de recursos financeiros, mas inclui a inovação e a criatividade das pessoas negras em apresentar soluções para melhorar suas vidas e comunidades. A filantropia negra é vista como um caminho para um futuro mais equitativo e justo.
Intelectuais como Nêgo Bispo atualizam o significado da filantropia negra ao propor uma alternativa civilizatória baseada na chamada “biointeração”. Ela se baseia no conceito de contracolonização do desenvolvimento sustentável: comunhão harmoniosa entre humanos e natureza, sendo desenvolvida dentro de uma dinâmica comunitária e coletiva, em que as práticas de cultivo, coleta, uso, reedição e compartilhamento são fundamentais.
Complementando as ideias de Nêgo Bispo, o Afrofuturismo — tema do Mês da Filantropia Negra 2024, uma iniciativa da The WISE Fund em parceria com o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) – assume um papel essencial ao projetar um futuro mais empoderado para comunidades e organizações negras.
Esta corrente cultural e filosófica amplia as perspectivas da filantropia negra ao integrar tecnologia, cultura e ancestralidade. O Afrofuturismo não só enriquece as possibilidades para doações e finanças comunitárias em escala global como também propõe uma reflexão crítica sobre o futuro dessas práticas.
Organizações como a Irmandade da Boa Morte exemplificam essa visão. Confraria religiosa afro-católica centenária, ela se empenhou na libertação de inúmeros escravizados, desde sua fundação e por muitos anos. Ainda hoje, a Irmandade mantém seu compromisso social, com foco principalmente na educação.
Outra inspiração é o Instituto Rainhas do Mar. Fundado em 1996, em Acupe — comunidade quilombola e pesqueira localizada no município de Santo Amaro, no Recôncavo Baiano — o Instituto inicialmente se dedicava à elaboração de ciclos de economia comunitária.
Com o tempo, a defesa e proteção do território tornaram-se prioridades para a organização, que passou a concentrar sua missão no desenvolvimento da autonomia, justiça social e garantia de direitos para povos quilombolas e comunidades pesqueiras. Isso é futuro; e o futuro é ancestral.
No universo do Investimento Social Privado (ISP) e da filantropia, importantes ações têm sido realizadas para que as pessoas negras estejam em decisões estratégicas e planejadoras de práticas para o futuro. Um exemplo é o Programa Dá o Tom, desenvolvido pela Aegea junto ao seu Instituto, braço das iniciativas de impacto socioambiental da empresa.
Criado em 2017 com o objetivo de refletir a demografia brasileira no quadro de colaboradores da Aegea e de suas concessionárias, o programa foi expandido para incluir iniciativas pela equidade de gênero e de raça em todos os níveis hierárquicos da companhia.
Com metas para aumentar a representatividade de talentos negros e mulheres em cargos de liderança até 2030, a empresa se comprometeu publicamente com a diversidade racial e de gênero, confirmando o impacto positivo de estratégias estruturadas.
A filantropia negra, assim, não apenas honra práticas ancestrais de solidariedade, mas também vislumbra um futuro mais justo e equitativo. Ao integrar justiça social e ambiental, essas práticas asseguram o bem-viver das pessoas negras e criam um futuro melhor para todos.
As discussões propostas neste Mês da Filantropia Negra, coordenado nacionalmente pelo GIFE, são apenas o começo. Esse movimento inspira mudanças positivas na filantropia, buscando desconstruir padrões, valorizando as vozes e necessidades das comunidades negras e promovendo um amanhã melhor para toda a sociedade.
* Thaís Nascimento é coordenadora de Projetos do GIFE. Keilla Martins é coordenadora do Programa Respeito Dá o Tom da Aegea.