Celulares que se tornam obsoletos em meses, televisores de tela fina descartados por modelos mais modernos e uma infinidade de dispositivos eletrônicos que chegam e saem de prateleiras diariamente, prometendo facilitar a vida. O avanço tecnológico, que redefine diariamente as rotinas, cobra um preço alto e silencioso: uma montanha crescente de lixo eletrônico.
Um problema moderno que cresce em silêncio
Este resíduo, que na maioria das vezes carrega substâncias tóxicas, representa uma complexa crise ambiental e de saúde pública do século XXI. No Cariri cearense, essa realidade global aterrissa de forma categórica, desafiando o meio ambiente e expondo a vulnerabilidade social dos catadores, que estão na linha de frente desta batalha.
Números alarmantes no Brasil e no mundo
A produção global de resíduos eletrônicos é alarmante. Segundo dados do Monitor Global de Resíduos Eletrônicos da Organização das Nações Unidas (ONU), a humanidade gerou cerca de 62 milhões de toneladas desse tipo de material em 2022. A previsão é que sejam produzidas, até 2030, 82 milhões de toneladas.
O Brasil, conforme o Monitor, é o quinto maior produtor mundial, gerando anualmente cerca de 2,4 milhões de toneladas, e reciclando menos de 3% desse total. Uma pesquisa do Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), feita em todo o Brasil, mostrou que 85,8% das pessoas têm algum eletrônico em casa e não sabem como descartar.
Substâncias tóxicas e riscos invisíveis
Nesse tipo de resíduo estão presentes diversos metais pesados como chumbo, mercúrio e cádmio, usados em placas de circuito e baterias. Eles podem contaminar o solo e os lençóis freáticos, causando graves danos neurológicos e renais em seres humanos. O descarte inadequado em lixões, prática ainda comum em muitas cidades, potencializa esses riscos, transformando o problema em uma ameaça invisível que se infiltra na terra e na água.
Responsabilidade compartilhada e logística reversa
A engenheira ambiental e Gerente Comercial da Regenera Cariri, Ingrid Botelho, lembra que a responsabilidade do processo de reciclagem é coletiva. “Os produtores e comerciantes precisam disponibilizar pontos de coleta, e a população se responsabilizar por entregar esses resíduos, dessa maneira, a logística reversa possibilita o reaproveitamento dos materiais e destinação final adequada para o que não tem mais utilidade”, defende.
A logística reversa de eletroeletrônicos, pilhas e baterias começa com o descarte correto feito pela população. Para facilitar o processo, a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (ABINEE) fundou a Gestora de Logística Reversa de Equipamentos Eletroeletrônicos (Green Eletron). A gestora, além de ficar responsável pela coleta, transporte e gerenciamento desses resíduos, criou Pontos de Entrega Voluntária (PEVs). É possível consultar no site do órgão o ponto de coleta mais próximo.
Catadores na linha de frente
Na Região Metropolitana do Cariri, o reflexo deste cenário nacional se materializa nos galpões das associações de catadores e, infelizmente, também em terrenos baldios e aterros. Juazeiro do Norte, por exemplo, tem avançado na destinação correta por meio de parcerias, mas o volume de equipamentos descartados pela população ainda supera em muito a capacidade de coleta e processamento.
A Associação de Catadores Kariri Ambiental, no bairro São José, é uma das poucas da região que recebe resíduos eletrônicos. Liderada por Francisco Alvino, a entidade se tornou referência na logística reversa na região, recebendo pilhas, televisores, monitores, computadores e impressoras. No entanto, o trabalho é árduo e os desafios são imensos.
“Nós sobrevivemos da reciclagem e o forte da gente é o resíduo eletrônico. A gente mapeou cinco bairros, aqui do entorno da associação, e todo sábado a gente vai na carroça, vamos catar até meio-dia. Um dia, catamos 309 quilos de lixo eletrônico”, afirma Francisco Alvino. Hoje, o quilo do resíduo eletrônico coletado pela associação é vendido a R$0,70 para uma empresa em São Paulo.
Segundo Avelino, o poder público ainda não enxerga os catadores como deveria, mas há avanços importantes em andamento. Em uma ação conjunta com a Autarquia Municipal de Meio Ambiente (Amaju) de Juazeiro do Norte, toneladas de lixo eletrônico produzidas nos prédios da prefeitura já foram encaminhadas para a reciclagem, evitando que o solo da região fosse contaminado.
Riscos e cuidados no manuseio do lixo eletrônico
A realidade vulnerável do trabalho da maioria dos catadores, em locais insalubres e sem acesso a equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados, ganha contornos ainda mais graves quando eles precisam lidar com resíduos eletrônicos. O desmonte de um computador ou de um televisor, por exemplo, feito sem as ferramentas e o conhecimento técnico necessários, pode liberar substâncias tóxicas e metais pesados que, ao serem inalados ou absorvidos pela pele, prejudicam a saúde dos trabalhadores.
Outro equipamento que demanda descarte cuidadoso é a impressora, que tem material tóxico e cujo perigo da substância foi conhecido por Alvino, da Kariri Ambiental, por meio de um professor da Universidade Federal do Cariri (UFCA). “Dentro do toner da impressora tem um pozinho, que pode ser amarelo, preto ou azul. Aquele pó é contaminante. O professor que acompanha a gente, da UFCA, disse que é contaminante. Aí a gente usa umas máscaras. Dentro do toner tem um alumínio”, explicou.
Composto por partículas minúsculas de carbono, polímeros e outras substâncias químicas, o pó de toner pode ser facilmente inalado, alojando-se nas vias respiratórias. A exposição prolongada pode causar irritação no sistema respiratório, agravar quadros de asma e bronquite e, em casos mais extremos, estudos apontam para o risco de desenvolvimento de doenças pulmonares crônicas. O negro de carbono, um de seus componentes, é classificado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) como um possível carcinógeno para humanos.
Por isso, o descarte de impressoras e cartuchos de toner, e todos os outros materiais eletrônicos, deve ser feito exclusivamente em pontos de coleta especializados, onde profissionais treinados podem manusear o material de forma segura, evitando que haja contaminação do meio ambiente.
Política Nacional e metas para o setor
Em outubro de 2019, o Ministério do Meio Ambiente assinou o Acordo Setorial para a Logística Reversa de Eletroeletrônicos, em complemento à Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) – Lei 12.305, sancionada em 2010. Nele, foram definidas metas para fabricantes, importadores, distribuidores e varejo para a coleta e reciclagem de aparelhos eletroeletrônicos.
O acordo propõe garantir que fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes promovam logística reversa dos produtos. Entre as metas, está a coleta e destinação adequada de 17% do lixo eletrônico produzido anualmente em até cinco anos, a criação de pelo menos cinco mil pontos de coleta em 400 municípios, e o envio de 100% dos resíduos coletados para reciclagem ou outra destinação final ambientalmente correta.
A PNRS é uma legislação abrangente que estabelece diretrizes e instrumentos para a gestão integrada e o gerenciamento adequado dos resíduos sólidos em todo o território nacional. Ingrid Botelho, da Regenera Cariri, lembra que nesta política há orientações sobre a responsabilidade do descarte dos resíduos eletrônicos. “Os resíduos eletrônicos, famoso E-lixo, são um ótimo exemplo do princípio da Responsabilidade Compartilhada, um compromisso que deve ser assumido pelo poder público, produtores, comerciantes e consumidores. A Política Nacional de Resíduos Sólidos versa sobre essas responsabilidades definindo os papéis de cada um nessa gestão, para, assim, garantir que a destinação do lixo eletrônico seja feita de maneira correta e não prejudicial ao meio ambiente, minimizando os impactos negativos para futuras gerações”.
Tipos de resíduos eletrônicos
Os resíduos eletrônicos não são todos iguais. Para que o descarte seja feito de forma segura e não prejudique o meio ambiente, há uma divisão em quatro categorias: Verde, Branca, Marrom e Azul. Essa classificação ajuda as empresas e os pontos de coleta a darem o destino certo para cada tipo de material, especialmente para aqueles que contêm substâncias tóxicas ou metais valiosos.
Linha Verde: computadores, notebooks, tablets, mouses, celulares, pilhas e baterias. São ricos em metais preciosos e muitos componentes que, se jogados no lixo comum, podem causar grandes impactos ambientais.
Linha Branca: eletrodomésticos como geladeiras, freezers, máquinas de lavar e micro-ondas. São itens volumosos que, por vezes, contêm gases e outros componentes que precisam de tratamento específico antes de serem desmontados e reciclados.
Linha Marrom: equipamentos de áudio e vídeo, como televisores, rádios, câmeras e aparelhos de som. Nesses dispositivos, há substâncias tóxicas que precisam de tratamento específico para evitar o impacto ambiental.
Linha Azul: ferramentas elétricas e eletrônicas, brinquedos, dispositivos médicos e de monitoramento. São feitos de materiais como borracha, cobre, chumbo, fibras de ferro e plásticos e, por isso, necessitam de tratamento específico para desmonte.
Saiba onde descartar resíduos eletrônicos no Cariri
- Associação de Catadores Kariri Ambiental – Av. Paulo Maia, nº 1502, bairro São José.
- Associação Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis Sul Cearense – Rua Presidente Vargas, nº 329, bairro Salesianos.
- Associação Cooperativa Juazeirense de Catadores – Rua Raimundo José Gonçalves, nº 84, bairro Frei Damião.
GreenEletron – consulte no link o local mais próximo https://greeneletron.org.br/onde-descartar/