Na noite de 14 de agosto, um túnel azul guiava os convidados até o segundo andar do Museu de Arte Moderna do Rio, no Aterro do Flamengo (RJ). A entrada já revelava a urgência do tema: dois banheiros — um adequado, outro precário — simbolizavam o abismo entre os brasileiros com e sem acesso ao saneamento básico. Mais de 90 milhões ainda vivem sem coleta de esgoto; mais de 32 milhões, sem água tratada.
Logo depois, uma exposição continuava a mostrar os “Brasis” divididos pelo saneamento básico: “mais de 11.500 brasileiros morreram por falta de saneamento”, dizia um dos banners. Em outros, que “a falta de saneamento lota hospitais e gera custos altos à saúde pública” e que “o saneamento é o guardião invisível da natureza”.
Um chamado à ação
Esse foi o clima criado para o lançamento da plataforma Saneamento Salva, uma iniciativa do Instituto Aegea que quer transformar dados e realidades em mobilização e consciência. A proposta é clara: apresentar, com linguagem acessível e humanizada, a urgência do saneamento como direito básico e essencial.
O evento teve início com a apresentação da Orquestra da Ação Social pela Música do Brasil, com jovens do núcleo Jardim Catarina, em São Gonçalo (RJ). O maestro João Victor Valéras, que regeu a apresentação, falou com propriedade: “Enfrentamos o desafio em nosso dia a dia, com muito esgoto a céu aberto, sem tratamento, e isso precisa mudar.”
Especialistas unidos por um Brasil mais justo
As mudanças necessárias foram o tom da roda de conversa entre especialistas no assunto. Uniu o médico Drauzio Varella e os membros do Conselho Consultivo do Saneamento Salva: a pneumologista Margareth Dalcolmo, a professora Laura Muller, a advogada Silvia Souza e o presidente do Instituto Aegea, Édison Carlos.
Para Drauzio, falta de saneamento afeta desenvolvimento intelectual
Drauzio trouxe dados alarmantes e uma reflexão contundente: “O Brasil, sendo a 10ª economia do mundo, não pode se conformar com o fato de que grande parte da população – 90 milhões de pessoas – vive sem esgotamento sanitário, e cerca de 30 milhões não têm acesso à água potável. Quem dera todos pudessem beber água diretamente da torneira.”
E completou: “A falta de saneamento impacta diretamente a saúde, inclusive afetando o funcionamento cerebral, principalmente no desenvolvimento intelectual.”
“É básico, é o mínimo”, diz dra Margareth Dalcolmo
“É básico, é essencial e, no Brasil, particularmente, nós estamos em um momento muito especial em que o saneamento é mais precioso do que sempre foi”, disse a pneumologista Margareth Dalcolmo. “Nossa população está envelhecendo. Então, o mínimo que nós podemos oferecer à ela (…) é água confiável, água potável, para que possamos tomar, servir, enfim, cuidar das nossas crianças e da nossa população que envelhece”, completou.
Valorização deve ser prioridade para o Estado
Para a advogada e presidenta da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, Silvia Souza, o atraso na valorização do saneamento como prioridade é significativo, tanto por parte do Estado quanto da sociedade. “Do ponto de vista legislativo, o saneamento básico ainda não é visto como um direito fundamental. E, na sociedade civil, não é percebido como um direito a ser reivindicado.” Para ela, é um direito à vida que ainda está sendo discutido pela sociedade.
Falta de saneamento: armadilha que perpetua o ciclo da pobreza
Laura Muller, economista e professora no Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), ressaltou que a ausência desse direito prejudica o desenvolvimento de toda a população. “Saneamento desenvolve”, disse ela. “A falta de saneamento impacta a sociedade em vários aspectos e pode ser considerada uma das armadilhas que perpetuam o ciclo da pobreza.” Em sua participação, explicou que a criança que tem acesso ao saneamento em casa chega na escola em condições de aprender.
Infraestrutura sanitária que tem a capacidade de empoderar comunidades
O debate também abordou os impactos da falta de saneamento na saúde dos idosos, a importância de identificar áreas passíveis de regularização para receber infraestrutura sanitária e a necessidade de empoderar comunidades para que reivindiquem esse direito. Foi reforçado que o saneamento básico é uma obrigação do Estado e que a mobilização da sociedade é essencial para pressionar as autoridades.
Durante sua fala, Drauzio Varella destacou o papel essencial dos agentes comunitários de saúde no fortalecimento das comunidades e na promoção do saneamento básico. “Temos cerca de 400 mil agentes comunitários de saúde espalhados por todo o Brasil. Eles são a ponte entre o sistema de saúde e a população, levando informação, monitorando condições e estimulando hábitos que previnem doenças”.
A plataforma Saneamento Salva
Com base em dados, estudos, relatos reais e entrevistas com especialistas, a plataforma expõe a realidade de milhões de brasileiros sem acesso à água tratada e à rede de esgoto, condição que perpetua desigualdades. Ao mostrar histórias de transformação e prosperidade em regiões que receberam infraestrutura sanitária, o projeto incentiva o engajamento da população, formadores de opinião e gestores públicos para reivindicar esse direito fundamental e promover mudanças concretas.
“O saneamento é a infraestrutura mais próxima da vida das pessoas, a água tratada e o esgoto coletado e tratado são considerados os maiores avanços da humanidade. Se a gente vive tanto tempo hoje, é graças ao saneamento básico”, disse Édison Carlos.
Sobre a proposta e os objetivos da plataforma, o presidente do Instituto Aegea, afirmou: “A plataforma foi idealizada para criar um ambiente humano e de fácil navegação, reunindo depoimentos de pessoas que tiveram suas vidas transformadas, líderes comunitários e outros protagonistas. Também disponibilizamos indicadores e dados para quem deseja se aprofundar no tema, além de um espaço para que a sociedade envie suas dúvidas, pois acreditamos que qualquer portal precisa ser vivo. Nosso objetivo é que quem acesse o site se sinta provocado, instigado e motivado a buscar soluções para sua comunidade.”
Participe desse movimento
A plataforma está acessível no Instagram, Facebook, LinkedIn e YouTube, permitindo que mais pessoas possam se informar, refletir e compartilhar o impacto do saneamento básico na saúde, no meio ambiente e na qualidade de vida das comunidades brasileiras. Clique aqui, acesse o site, conheça e participe.